“Maria do Sol“, a mulher que matou em defesa da sua honra difamada.
"Eis um assunto que não é inédito. A imprensa já se tem ocupado dêle com aquela simpatia que sempre inspiram aqueles que na vida são atingidos por uma grande desgraçada. E grande desgraça foi esta que feriu em cheio, em pleno coração, uma pobre mulher do povo que, não tendo outra fortuna senão a felicidade do seu lar e a sua honra de mulher virtuosa, se viu um dia vilmente caluniada e arremessada para a barra do tribunal. ( …) É o caso de «Maria do Sol», essa mulher que, em face do seu lar desfeito, da sua felicidade destruída e da sua honra babujada por um caluniador, num momento de desespero, matou a tiros de espingarda o autor da sua imensa desventura.
(…) Foi em Sangalhos. «Maria do Sol» era casada e vivia feliz na companhia de seu marido. Entre os amigos, visitas de sua casa, contava-se um homem, que se revelou de baixos sentimentos, um tal Manuel de Sousa, negociante de vinhos. Esse homem pertencia à falange dos « conquistadores», categoria muito apreciada em Portugal, onde a honra da mulher casada, por vezes, é alvo dos mais vis atentados..(…) Julgam que todas as mulheres hão-de prestar homenagem às suas qualidades de Don Juans de caricatura. As casadas têm para eles um sabor especial. (…) É uma tentação a que não podem resistir. Depois de completa a sua obra de destruição, iniciam outra não menos vil, não menos traiçoeira. Colocam-se às esquinas de galhofa com os amigos. Quando passa alguma das suas vítimas, perguntam com ar triunfante:
- Conheces esta mulher ?
- Conheço. É a
mulher de Fulano, honestíssima.
Então os canalhas têm um sorriso
superior e (…) por fim, em confidência destilam o veneno :
-
Honestíssima – Foi minha amante
«Maria
do Sol» ameaçou-o de queixar-se ao marido. Manuel de Sousa, porém, não desistiu.
Um dia, estando a sua cobiçada vítima em casa, o negociante de vinhos
apareceu-lhe inesperadamente, agarrando-a violentamente e tentando violá-la. «Maria
do Sol» defendeu-se como pôde e quando as forças começavam a abandoná-la gritou
aflitivamente, obrigando o Sousa a fugir espavorido pelas traseiras da casa.
O
abuso
Para
se furtarem ao ambiente de escândalo (…), marido e mulher (…) retiraram-se uma
temporada para Espinho. O Sousa ( …) gabarola perigoso, bolçou sobre a honra de
«Maria do Sol» as piores calúnias, afirmando que ela tinha sido sua amante.
Aproveitava-se da ausência das suas vítimas para as caluniar à vontade. (…) As
torpes mentiras do Sousa começaram a ser acreditadas e quando os cônjuges regressaram
a Sangalhos encontraram uma atomosfera antipática à sua volta.( ….) O marido de
«Maria do Sol» começou , a despeito da sua confiança na mulher, a ser infeliz.
A dúvida perturbava-o.
«Maria do Sol» inocente, notava alarmada que o Sousa (…) lhe destruíra a felicidade, roubando-lhe a paz interior, destruindo-lhe a amizade do marido. (…) E o autor de todas aquelas ruínas andava alegre, bem disposto.
Um
dia «Maria do Sol», no auge do desespero, sentindo-se perdida, atingida na sua
honra, que para ela era tão preciosa como a vida, apontou uma espingarda ao Manuel
Sousa e matou-o.(…) O gesto desesperado de «Maria do Sol» equivaleu a uma
legítima e sagrada defesa. Mas há lei e a Sociedade. E «Maria do Sol» presa, foi levada ao tribunal para lhes
prestar contas do seu desvairado gesto. (…) O julgamento causou a maior emoção
em Anadia. Os juízes, mais calmos do que a acusação (…) atenderam às condições
em que o crime – legítima defesa chamamos-lhe nós – foi praticado e condenaram-na
a dois anos de prisão, na alternativa de três anos de degredo.
Mas
os acusadores não ficaram contentes e apelaram da sentença ! O caso subiu à Relação
de Coimbra. Na contra-minuta de recurso do dr. Fernandes Martins, que se tem
batido brilhantemente pela causa simpática de «Maria do Sol» há muito a ponderar.(…)
Recortes do semanário " Detective" de 25 de Agosto de 1932




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