terça-feira, 24 de agosto de 2021

1932 - Sangalhos - A história de «Maria do Sol» a mulher que matou em defesa da sua honra difamada.

 “Maria do Sol“, a mulher que matou em defesa da sua honra difamada.


"Eis um assunto que não é inédito. A imprensa já se tem ocupado dêle com aquela simpatia que sempre inspiram aqueles que na vida são atingidos por uma grande desgraçada. E grande desgraça foi esta que feriu em cheio, em pleno coração, uma pobre mulher do povo que, não tendo outra fortuna senão a felicidade do seu lar e a sua honra de mulher virtuosa, se viu um dia vilmente caluniada e arremessada para a barra do tribunal. ( …) É o caso de «Maria do Sol», essa mulher que, em face do seu lar desfeito, da sua felicidade destruída e da sua honra babujada por um caluniador, num momento de desespero, matou a tiros de espingarda o autor da sua imensa desventura.



(…) Foi em Sangalhos. «Maria do Sol» era casada e vivia feliz na companhia de seu marido. Entre os amigos, visitas de sua casa, contava-se um homem, que se revelou de baixos sentimentos, um tal Manuel de Sousa, negociante de vinhos. Esse homem pertencia  à falange dos « conquistadores», categoria muito apreciada em Portugal, onde a honra da mulher casada, por vezes, é alvo dos mais vis atentados..(…) Julgam que todas as mulheres hão-de prestar homenagem às suas qualidades de Don Juans de caricatura. As casadas têm para eles um sabor especial. (…) É uma tentação a que não podem resistir. Depois de completa a sua obra de destruição, iniciam outra não menos vil, não menos traiçoeira. Colocam-se às esquinas de galhofa com os amigos. Quando passa alguma das suas vítimas, perguntam com ar triunfante:

 - Conheces esta mulher ?

- Conheço. É a mulher de Fulano, honestíssima.

Então os canalhas têm um sorriso superior e (…) por fim, em confidência destilam o veneno :

             - Honestíssima – Foi minha amante


(…) Ora o tal Manuel de Sousa, de Sangalhos, pertencia à famosa quadrilha dos salteadores de lares tranquilos. Com falinhas doces conseguir penetrar em casa de «Maria do Sol» e de seu marido. Ambos lhe dispensavam consideração. Ela tratava-o com delicadeza. ( …) Manuel de Sousa começou a dirigir a «Maria do Sol», na ausência do marido, galanteios reles. Mas enganava-se, o canalha. «Maria do Sol» estimava demasiado o seu esposo para de deixar encantar pelas seduções do Don Juan de Sangalhos.

                «Maria do Sol» ameaçou-o de queixar-se ao marido. Manuel de Sousa, porém, não desistiu. Um dia, estando a sua cobiçada vítima em casa, o negociante de vinhos apareceu-lhe inesperadamente, agarrando-a violentamente e tentando violá-la. «Maria do Sol» defendeu-se como pôde e quando as forças começavam a abandoná-la gritou aflitivamente, obrigando o Sousa a fugir espavorido pelas traseiras da casa.

                O abusotocava o extremo e «Maria do Sol», quando o seu marido regressou, contou-lhe o ocorrido. Irado, o marido mandou chamar o Sousa e, censurando-o acremente pelo seu procedimento infame, aplicou-lhe uma sova de pauladas ( …) Mas como não era boa rez, o  Sousa dirigiu-se ao Administrador do Concelho da Anadia a pedir licença para uso de porte de arma. (…)Pouco dias depois, o marido de «Maria do Sol» dirigia-se à mesma Administração do concelho, contando-lhe a proeza do Sousa. O Administrador ( …) depois de os ouvir todos, censurou o Sousa, que não negou o seu revoltante acto (…).

                Para se furtarem ao ambiente de escândalo (…), marido e mulher (…) retiraram-se uma temporada para Espinho. O Sousa ( …) gabarola perigoso, bolçou sobre a honra de «Maria do Sol» as piores calúnias, afirmando que ela tinha sido sua amante. Aproveitava-se da ausência das suas vítimas para as caluniar à vontade. (…) As torpes mentiras do Sousa começaram a ser acreditadas e quando os cônjuges regressaram a Sangalhos encontraram uma atomosfera antipática à sua volta.( ….) O marido de «Maria do Sol» começou , a despeito da sua confiança na mulher, a ser infeliz. A dúvida perturbava-o.

                «Maria do Sol» inocente, notava alarmada que o Sousa (…) lhe destruíra a felicidade, roubando-lhe a paz interior, destruindo-lhe a amizade do marido. (…) E o autor de todas aquelas ruínas andava alegre, bem disposto.



                Um dia «Maria do Sol», no auge do desespero, sentindo-se perdida, atingida na sua honra, que para ela era tão preciosa como a vida, apontou uma espingarda ao Manuel Sousa e matou-o.(…) O gesto desesperado de «Maria do Sol» equivaleu a uma legítima e sagrada defesa. Mas há lei e a Sociedade. E «Maria do Sol»  presa, foi levada ao tribunal para lhes prestar contas do seu desvairado gesto. (…) O julgamento causou a maior emoção em Anadia. Os juízes, mais calmos do que a acusação (…) atenderam às condições em que o crime – legítima defesa chamamos-lhe nós – foi praticado e condenaram-na a dois anos de prisão, na alternativa de três anos de degredo.

                Mas os acusadores não ficaram contentes e apelaram da sentença ! O caso subiu à Relação de Coimbra. Na contra-minuta de recurso do dr. Fernandes Martins, que se tem batido brilhantemente pela causa simpática de «Maria do Sol» há muito a ponderar.(…)


Recortes do semanário " Detective" de 25 de Agosto de 1932

quinta-feira, 19 de agosto de 2021

1888 - José Luciano de Castro - A questão da sellagem dos tecidos

Por decreto de 19 de Novembro de 1888, o ministro da fazenda e o secretário de estado do governo presidido por José Luciano de Castro, aprovou o regulamento provisório para o serviço de sellagem de tecidos, telas e objectos de vesturário de fabricação nacional ou estrangeira. Em traços gerais, tal regulamento obrigava à aposição de selos fiscais nos tecidos que fossem colocados à venda em território nacional, salvo as devidas excepções legais.


Tal questão motivou críticas severas um pouco por todo o país, nomeadamente no Porto, através da Associação de Comerciantes do Porto, que iniciou uma campanha contra tal regulamento.

José Almeida e Silva, famoso caricaturista do seminário portuense Charivari, sempre atento à politica nacional, retrata tal protesto em 22 de Dezembro de 1888, um mês após a publicação de tal legislação.



Com a valentia e o denodo de um cavalleiro antigo – recto pela dignidade e forte pela honra – o commercio d’ esta cidade acaba d’ assentar nos lombos da malta de José Luciano uma sova tremenda, em resultado da qual o ministério tem forçosamente de retirar o aviltante decreto lei da sellagem, ou de depôr as pastas. Applaudimos a attitude digna e enérgica do commercio do Porto, n’esta questão.


Regulamento provisório para o serviço de sellagem de tecidos, telas e objectos de vesturário de fabricação nacional ou estrangeira. - Imprensa Nacional, 1888  ( Exemplar existente na Biblioteca da Assembleia da República ) 



Zé Povo, apalpando as costas de José Luciano, a propósito da resistência do governo: Coiro d’esta resistência não se encontra outro em todo o globo ! …
Zé Luciano – Olarépes ! ….